A indústria da moda: Santa Catarina e Espírito Santo

Por Evandro Milet – 24/06/2023

 

Em setembro de 2021, a cidade de Blumenau parou, traumatizada com a compra da Hering pelo grupo Soma, o maior grupo de moda do país e detentora de marcas como Animale e Farm, entre outras. Fundada em 1880, a Hering, conhecida como a “marca do básico” mais amada do Brasil e reconhecida por mais de 90% da população nacional, foi impactada pela pandemia e não resistiu. O que faz uma marca centenária, uma indústria forte localizada no Vale do Itajaí, polo têxtil que orgulhosamente compete com a China, ser engolida por uma empresa muito mais nova, nascida no ambiente carioca, sem referências atuais em indústria têxtil?

A região que abrange as cidades de Blumenau, Brusque, Jaraguá e Pomerode, entre outras, emprega 170.000 pessoas trabalhando em toda a cadeia do vestuário, desde a fiação até o varejo, passando pelo desenvolvimento do produto, tecelagem, tinturaria, estamparia, corte, confecção, acabamento e logística. Equipamentos industriais sofisticados e caros, vindos da Itália, França, Suíça, Áustria e Estados Unidos operam em centenas de indústrias da região. A dinâmica do setor contribui para o reduzido índice de desemprego em Santa Catarina, o que provoca uma disputa ferrenha pela mão de obra do setor de vestuário, incentivando o endomarketing e as atividades de envolvimento dos trabalhadores em cada empresa. A terceirização da costura para faccionistas enfrenta o problema da dificuldade de formar novas costureiras, com as novas gerações cada vez mais desmotivadas para a função.

Grande parte das empresas da região se originou da imigração alemã e italiana e dos filhotes gerados das pioneiras como a Hering, mantendo uma estrutura familiar e passando por gerações ou de outras que quebraram ou perderam mercado como Sulfabril e Dudalina. A competência e a qualidade foram muito aprimoradas no atendimento aos grandes magazines como Renner, C&A, Riachuelo, Leader e Pernambucanas, entre outros, com fortes exigências, materializadas no selo ABVTEX, que todas as fornecedoras têm que atender. As exigências provocam um grande movimento de todas para sustentabilidade, para o conceito ESG, para disputa pelo selo “Great Place to Work” e para o atendimento social às comunidades em volta. O atendimento como private label, onde a marca que aparece é a do grande magazine, exige alto nível de organização da empresa para conviver com baixa margem de lucro. Por outro lado, essa alta competência industrial alcançada despertou a vontade de investir em marcas próprias, com margens mais altas, mas que demandam uma competência diferente da industrial. Trabalhar com lojas multimarcas, lojas próprias ou franquias, criar competência em design, branding, licenciamento e marketing digital, procurar nichos e entender de varejo, modelos de negócio e omnichannel se tornaram novas exigências.

Muitas não conseguem manter a passagem de bastão para descendentes, o que motiva o desenvolvimento da governança, com uma saudável busca pela profissionalização da gestão, com diretorias vindas do mercado e conselhos de administração com conselheiros independentes.

Quem nasceu industrial tem dificuldade de migrar para o varejo, o que pode explicar em parte a venda da Hering, mas o polo não pode perder a competência que lhe permite disputar mercado com os onipresentes chineses. Competência apoiada fortemente pela Fiesc, que criou uma escola de negócios em moda e pelas escolas técnicas, faculdades e institutos Senai especializados no setor, um dos três maiores do estado.

E o que se pode aprender com o Vale do Itajaí para desenvolver o polo de confecções do Espírito Santo? Não temos mais as indústrias que já tivemos com Braspérola e Poltex e a escala de produção bem menor na confecção limita a redução de custos, embora esta tenha que sempre ser buscada, e temos comparativamente apenas 11.000 pessoas trabalhando no setor com carteira assinada. No Vale do Itajaí há 8.000 negócios de moda, enquanto em todo o Espírito Santo temos 1.000.

A solução passa por investir no associativismo, fortíssimo no Vale do Itajaí, mas ainda carente por aqui, muito treinamento, inteligência de mercado, investimento em marcas, gestão, design, desenvolvimento de produto, marketing digital, branding e benchmarking com os melhores do país e do mundo da moda.