Arnaldo Jabor, o cronista polêmico falecido há uma ano, contou certa vez a frase que um amigo teve que ouvir do filho adolescente: “Pai, você sabe tudo que já aconteceu, mas não sabe nada do que está acontecendo.”
A frase poderia ser usada também para os atuais gestores de empresas, na direção executiva ou nos cada vez mais disseminados Conselhos de Administração(CA).
Geralmente, os CA são formados por diferentes perfis, mas três são mais comuns. O especialista em governança corporativa, que tem forte capacidade de conciliar interesses e evitar conflitos; o especialista setorial, geralmente ex-CEOs que discutem mais estratégia e posicionamento e o “financista”, geralmente ex-executivos de bancos ou do setor financeiro que pensam na melhor estrutura do capital e orientam em processos de fusões e aquisições. Não basta mais! Esse perfil não garante mais a perpetuidade das empresas, como é o papel dos CA.
Os CA têm como atividades cuidar de monitoramento, estratégia, talentos, estrutura de capital e riscos – esse era o padrão há alguns anos. Depois disso, a importância das inovações para a sobrevivência das empresas acrescentou esse item nas preocupações primordiais das suas atribuições. Depois veio a avassaladora ESG com a questão das mudanças climáticas e a exigência de atender à diversidade, colocando tudo na pauta da governança e consequentemente nos CA. Qualquer deslize nessa área pode jogar a reputação da empresa no lixo. E as novidades não param por aí. Em todos os setores da gestão há transformações radicais.
Na gestão dos talentos, a pandemia incorporou o problema de casa x escritório, sem vencedor ainda, tendendo para uma solução híbrida, sem convicção de ninguém. Viagens caras ao exterior ou em outros estados diminuem vertiginosamente. Reunião olho no olho é bom, mas é caro. A crescente necessidade de perfis técnicos em TI explodiu a demanda sem oferta equivalente, causando uma rotatividade enorme e a procura por novas formas de gerir e manter esse perfil, que tem facilidade de trabalhar de qualquer lugar. As novas gerações querem uma definição de propósito relevante para se dedicarem a uma empresa, mesmo sabendo que não ficarão ali a vida inteira como antigamente.
A gestão da estratégia acelerou. Quem fazia seu planejamento anual com sofisticados balance scorecards agora quer gerar MVPs para disputar velocidade com as concorrentes que surgem de todos os lados, muitos inesperados. Empresas querem venture builders para gerar spinoffs que antecipem mudanças, criam seus CVCs(Corporate Venture Capital), fundos para investir nas suas startups, abrem suas dores ou desafios para gente de fora resolver, tudo atrás de velocidade. Gestores são cobrados por ambidestria: gerir o presente turbulento ao mesmo tempo que preparam a empresa para o futuro incerto. Nos CA é fundamental acrescentar ao microscópio para os números – imprescindível -, o telescópio para o futuro.
As novidades tecnológicas dão cambalhotas. Se demorar a implantar uma novidade, a próxima atropela. Se um dia é o blockchain, no dia seguinte é metaverso e no outro o sofisticado ChatGPT, com sua autossuficiência quase pedante e onipresença nas perspectivas de futuro.
O marketing virou de ponta cabeça. Em vez de jogar uma mensagem para atrair os clientes pelo rádio ou TV, o negócio é fisgá-lo numa máquina de vendas, moê-lo com conteúdo e colocá-lo numa comunidade engajada nas redes sociais – e se achando prestigiado. Que ele não seja mais um cliente, mas um torcedor da marca.
Ícones de gestões passadas como Jack Welch ou Jorge Paulo Lemann são triturados nos seus modelos ultrapassados, como aconteceu agora com o caso das Lojas Americanas.
Quem viveu a gestão de empresas em épocas passadas e não se atualizou vai ficar como o amigo do Jabor: sabe tudo que já aconteceu, mas não sabe nada do que está acontecendo. E isso pode ser mortal.
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Publicado no Portal ES360 em 26/02/2023