Bootstrapping é um termo de origem inglesa da década de 1880. Algumas botas são feitas com tiras de couro salientes na parte traseira do cano, para facilitar o processo de calçá-las.
Hoje em dia, os usos mais comuns do termo são na área de TI, onde tornou-se uma metáfora bastante difundida para a inicialização de sistemas, onde um programa relativamente pequeno e simples é carregado e depois executa o programa maior e mais complicado do estágio seguinte.
A noção de auto-instauração de um sistema deve-se à uma passagem no livro As Aventuras do Barão de Munchausen, que ganhou filme com o mesmo título em 1988, onde o protagonista ergue a si e a seu cavalo puxando ambos pelo próprio cabelo para escapar de um pântano. A obra aborda a vida do capitão alemão aposentado Karl Hieronymous, que narra suas aventuras de guerra e viagens carregadas de mentiras delirantes.
Essa expressão “bootstrapping” também poderia ser usada para um país que pretende se desenvolver fechado no seu próprio mercado, sem se abrir ao exterior. De alguma forma foi o que aconteceu com a política de informática no século passado, onde a intenção era copiar o que havia acontecido com o salto dado pelo Japão, porém com a inocência de achar que o mercado interno poderia ser protegido e que ele seria suficiente para alavancar uma indústria de computadores.
As políticas industriais de sucesso, praticadas por vários países asiáticos, carregaram fortemente metas de exportação. O mercado brasileiro representa menos de 2% do mercado mundial, portanto é evidente que qualquer política desse tipo deve mirar os 98% de mercado do mundo, usando temporariamente o mercado interno para se estabelecer.
Há outras diferenças do que aconteceu nesses países e o que poderia acontecer no Brasil. A primeira delas foi a ênfase dada anteriormente à educação básica, coisa que nunca conseguimos fazer. Outra é o protecionismo para muitos setores, o que impede a entrada de novas tecnologias. Para isso há o atenuante de que o custo Brasil impede uma concorrência justa com o importado.
Na Nova Indústria Brasil – NIB as missões foco da política pretendem aproveitar uma vantagem competitiva do Brasil, no caso do agronegócio ou um problema estratégico como a área de saúde. Há o cuidado de focar em exportações e pesquisa e desenvolvimento. Note-se que ali não se abordam os casos de indústria naval ou refinarias que são apresentadas à parte pela Petrobras, por muitos considerados delirantes, indústrias a serem erguidas pelos próprios cabelos.
De qualquer forma, uma política industrial não deveria ser tocada sem a percepção justa levantada pelos detratores de políticas industriais em geral, que advogam a ideia que o equilíbrio fiscal e um bom ambiente de negócios geraria um nível de confiança no país capaz de atrair, por exemplo, os fundos soberanos de vários países, que dispõem hoje de US$ 11 trilhões de dólares para investimentos conservadores com pouco risco.
Recuperar o grau de investimento que o país já teve e perdeu é fundamental, mas para isso há que fazer a parte chata: controlar a relação dívida/PIB, fazer novas reformas, reduzir gastos. É comum tentar chamar gasto de investimento para escapar de cortes. Se pensar bem, qualquer gasto pode ser chamado de investimento: na educação, infraestrutura, segurança ou saúde. Gasto é vida, alguém já disse, antes do desastre. Me engana que eu gosto. Na prática é mais uma maneira de erguer o país do pântano puxando pelos próprios cabelos.
Publicado no Portal ES360 em 18/02/2024