As discussões sobre política industrial voltaram com força, no Brasil e no mundo, motivadas pelas restrições logísticas pós guerra na Ucrânia e a insegurança com a geopolítica da China, onde se concentra grande parte dos insumos das cadeias globais de valor.
Alguns economistas rejeitam o termo política industrial, alegando que políticas horizontais visando redução das taxas de juros, segurança jurídica, agilidade da justiça e simplificação tributária dariam capacidade de competição a todos os setores produtivos, permitiriam uma abertura para importações, exigindo competência das empresas nacionais e provocando aumento de produtividade. Nessa visão, não haveria necessidade de subsidiar setores, com o risco de captura do Estado por grupos privados e a escolha errada de campeões nacionais.
Outro lado acha necessária uma maior participação do governo na articulação de uma estratégia de desenvolvimento, alegando exemplos de políticas de sucesso desse tipo em vários países, incluindo os tigres asiáticos, a Europa e mesmo os Estados Unidos com seus amplos orçamentos de defesa e exploração espacial.
Entretanto, todos os lados defendem igualmente a necessidade de investimentos em ciência, tecnologia e inovação. E os exemplos de sucesso no Brasil são sempre os mesmos: agricultura, aviões e petróleo, com forte participação de governo.
Esse debate no Brasil deveria considerar uma série de novidades recentes acontecidas no ambiente econômico do país, incluindo uma crescente sofisticação financeira. A argumentação da falta de crédito privado de longo prazo para justificar uma atuação forte do Bndes perdeu força. A queda dos juros, a partir do governo Temer, incentivou a procura pelos investimentos de risco com lançamento de papéis de crédito privado e aberturas de capital na bolsa. Os desembolsos do Bndes, subsidiados, representavam mais de 3% do PIB antes da mudança da TJLP e caíram para 0,74% do PIB. Por outro lado, o mercado privado de crédito, antes com 2,57% do PIB, representa hoje 6,8% do PIB.
Fundos de Venture Capital e Private Equity, nacionais e estrangeiros, começaram a operar com força. Empresas abriram capital em bolsa e com os recursos arrecadados promovem um grande processo de consolidação, investindo em empresas com sinergia nos seus setores de atuação. Capitais abundantes do exterior estão disponíveis para investimentos em concessões de infraestrutura, PPPs e projetos consistentes, desde que tenham confiança no país.
O investimento em startups de tecnologia explodiu, grandes empresas abrem suas dores para o mercado e investem em startups adjacentes ou geram spinoffs de negócios diferentes. O ambiente está tão acelerado que a falta de mão de obra tecnológica se transformou em um gargalo gigante, demonstrando a falta de investimento na educação básica e técnica e no distanciamento entre o que a universidade ensina e o que as empresas necessitam.
Uma política mais geral de desenvolvimento deveria considerar fortemente(além dos óbvios aspectos sociais não abordados aqui) o apoio ao empreendedorismo, principalmente aquele associado às inovações disruptivas saídas das bancadas dos pesquisadores nas universidades ou da iniciativa dos visionários que arriscam tudo, embasados em conhecimento tecnológico.
As reformas necessárias para melhorar o ambiente de negócios no Brasil, que caracterizam políticas horizontais, são politicamente difíceis de aprovação. Desse modo, e mesmo que não fossem tão difíceis, não há como fugir atualmente do papel do governo de sinalizar com missões, ou projetos estruturantes, sem escolher vencedores, em setores altamente promissores e sinérgicos com as vantagens comparativas ou estratégicas do Brasil: uma bioindústria com base na Amazônia, uma indústria associada ao agronegócio e energias alternativas e a identificação de nichos no mundo digital. Sempre com a visão de disputar o mercado mundial.
Existe o vício de achar que política industrial é sinônimo de substituição de importação e protecionismo. É uma estratégia datada e já superada. O caminho é o empreendedorismo inovador, reformas, abertura e missões estratégicas.
Uma abordagem nacional direcionada com ênfase para o ensino nos temas STEAM(ciência, tecnologia, engenharia, artes e matemática) e uma ampliação significativa do percentual do orçamento para ciência, tecnologia e inovação, criariam uma base consistente para um projeto de desenvolvimento moderno.
Publicado em 03/09/2022 em A Gazeta