O Picpay é o maior caso de sucesso das startups capixabas, mas como foi o alinhamento dos planetas, digo, do ecossistema, para esse sucesso? O storytelling, ou a contação de histórias, pode ser a melhor maneira de entender como a articulação das instituições provocou esse resultado.
Para a inovação acontecer é comum falar na hélice tríplice – empresas, governo e academia -, mas para um ecossistema de inovação acontecer são necessárias mais pás nessa hélice, como essa história pretende demonstrar, com menos detalhes do que deveria para ser justo, porém tentando preservar o veio principal.
Para ter um início, é importante falar da Tecvitória, primeira incubadora do Espírito Santo, criada em 1995, em prédio cedido pela Ufes. No Conselho de administração desse habitat de inovação, em momentos diferentes, várias instituições da hélice tríplice e além: Xerox, Petrobras, CST(ArcelorMittal), Aracruz(Suzano), Vale, Bandes, Prefeitura de Vitória, Sebrae, Findes, Governo do Estado, Ufes e Ifes. E um apoio inicial do Softex, ONG patrocinada pelo Ministério de Ciência e Tecnologia.
Pouco operante até o ano 2000, a Tecvitória acelera o passo, abrigando muitas startups, inclusive a Imatic, de Dárcio Stehling e outros, vindos da Ufes e que havia recebido recursos da Fapes. Em 2007, o Sebrae e a CDV(hoje CDTIV) da Prefeitura de Vitória, assinam projeto conjunto para criar o CE3D, Centro de Excelência em Tecnologia 3D, para apoiar o desenvolvimento de projetos de máquinas apoiados pela engenharia mais sofisticada da época. O local para abrigar o CE3D é a Tecvitória e o Centro recebe equipamentos comprados e softwares de ponta cedidos gratuitamente por fornecedores, interessados na sua disseminação.
Para um projeto piloto do CE3D é convidada a Rochaz, empresa de Iconha, interessada em projetar e construir um tear multifios para o setor de rochas, tecnologia novidade na época. Para tocar o projeto pela Rochaz, se instala na Tecvitória Diogo Roberte, filho do proprietário, com equipe contratada inclusive fora do Estado.
Nessa época, era comum o corte de energia na região da Tecvitória. Para passar o tempo sem energia para os equipamentos, rolava um futebol de bola de meia, que junto com o cafezinho e o pão de queijo, aproximava pessoas com projetos diferentes, mas perfis complementares e muita vontade de ganhar dinheiro. O ambiente juntou Dárcio e Diogo e surgiu a ideia vencedora do Picpay, apoiada por investidores, embora o projeto da máquina multifios não tenha dado certo.
Nessa pequena história fica claro que um ecossistema de inovação funciona com uma hélice de muitas pás: academia, grandes empresas, governos, startups, investidores, financiadores, instituições de apoio, ambientes de inovação, ONGs, associações empresariais e órgãos de imprensa que fazem a informação circular. Mostra também a importância dos ambientes de inovação no seu papel de aproximar pessoas e ideias, sejam incubadoras, aceleradoras ou parques tecnológicos. Quem pensa que o mundo virtual resolve essa aproximação, não sabe o efeito de uma pelada de bola de meia no escuro.
Publicado no Portal ES360 em 07/01/2024