Os avanços civilizatórios que vêm das empresas

Uma verdade atropela as mentes conservadoras, retrógradas ou simplesmente negacionistas: as grandes empresas  do mundo adotaram a pauta ESG(ambiental, social e governança) e comandam processos de aceitação da diversidade de raça, gênero e orientação sexual, bem como modificam processos inteiros para se adequar às pautas ambientais. Não haverá mais lugar nessas empresas para executivos que neguem o aquecimento global, que discriminem negros, mulheres e pessoas LGBT+, que aceitem homofobia, assédio sexual ou moral, que entendam meritocracia como prática sem igualdade de oportunidades, ou mesmo que rejeitem vacinas ou máscaras. E não só aceitem, como ajam ativamente em prol dessa pauta, incluindo forçar a diversidade na ocupação de cargos de direção.

Um executivo do HSBC na Inglaterra foi demitido recentemente por proferir um discurso agressivo contra os ativistas pró-meio ambiente e afirmar que “avisos infundados, estridentes, partidários, egoístas e apocalípticos estão sempre errados”.

Quando a Magalu promoveu, não faz muito tempo, concurso de trainees voltados para pessoas negras, houve uma comoção conservadora que atribuiu, delirantemente, à uma das maiores empresárias brasileiras, Luiza Trajano, a pecha de socialista. Isso está se diluindo no tempo e no mundo. Até a Bolsa Família, antes atacada como política de esquerda, já foi assimilada pelos conservadores.

Essa mudança não vem simplesmente de dentro dessas empresas, vem da pressão de investidores e dos cidadãos do mundo, com alto nível de educação e de entendimento, conscientes da necessidade de mudança.

Quando o Parlamento Europeu critica o Brasil pelo aumento de queimadas e assassinato de indígenas e indigenistas, alguns bobos retrucam, como se estivessem discutindo com colegas de escola, que eles deveriam pedir perdão aos africanos e asiáticos pelo massacre e escravidão de negros e indígenas. Perdão, todo mundo deveria ter pedido, europeus, a igreja e os muitos brasileiros que esticaram a escravidão até 1888 e sem criar condições para a população negra ser educada. Claro que existem interesses protecionistas dos agricultores europeus, mas não precisamos ajudá-los com discursos equivocados e práticas criminosas.

Muita gente está tendo de mudar a cabeça para ter espaço de crescimento profissional dentro das grandes empresas. E não só das grandes. O processo natural do padrão ESG começa a provocar que os grandes compradores exijam dos seus fornecedores as mesmas práticas. Qualquer grande empresa que aceitar práticas fora desse padrão de apenas um dos seus fornecedores assumirá o ônus político do cancelamento vindo de uma população mundial cada vez mais educada e consciente e repercutido como uma bomba nas redes sociais.

Uma das maiores forças nesse movimento vem das novas gerações que querem trabalhar em empresas que tenham um propósito e que adotem as práticas que estão alinhadas com a pauta ESG. E vem também da percepção, que se generaliza nas mentes mais antenadas, de que mais diversidade significa mais capacidade de inovar. 

Os gestores de empresas precisam saber agora desempenhar o papel de um “estadista corporativo”, lidando de forma efetiva com stakeholders que vão de governos a ONGs influentes e incorporando verdadeiramente a pauta ESG no seu modo de pensar. São as novas exigências para gestores, a serem incluídas no rol das soft skills já disseminadas.

Essa nova postura das empresas e dos seus gestores, que não aceitam práticas antidemocráticas internamente, também terão que ser coerentes em não admitir práticas antidemocráticas na política. A saída em massa recente de multinacionais da Rússia é um bom exemplo. Muita gente terá que mudar conceitos daqui para a frente.

 

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Publicado em A Gazeta em 16/07/2022