Existe uma pauta das ruas visível, sufocante, imediata e justa. Ela exige saúde, educação, mobilidade, fim da corrupção e reforma política entre outras tantas demandas expostas em cartazes duros ou espirituosos nas surpreendentes manifestações que eclodiram em todo o país. Existe uma outra pauta com algumas interseções com essa, mas que é muitas vezes invisível, porém com um enorme poder de provocar estragos na economia quando não atendida: a pauta dos mercados. Essa é arredia, sensível, volátil e exige estabilidade, tranquilidade, cumprimento de contratos e retornos razoáveis.
As duas pautas se chocam à medida que não se sabe onde tudo isso vai dar, quando para atender a primeira pauta contratos são rompidos unilateralmente, tarifas são congeladas, a insegurança jurídica aumenta e naturalmente investimentos são imediatamente interrompidos, adiados ou simplesmente cancelados.
Se não houvesse opção, restaria aos investidores aguardar quietinhos a outra pauta se resolver e voltar humildemente aos seus projetos ou até respirar fundo e mantê-los apesar das turbulências. Mas não é isso que acontece e não há como segurar. A última vez que se tentou fazer isso no Brasil, no Plano Cruzado, foi-se caçar boi no pasto para tentar resolver o desabastecimento que se alastrava. É mais ou menos o caminho que Venezuela e Argentina tentam seguir após iniciativas econômicas e políticas desastradas.
Felizmente não é o nosso caminho, mas cabe aos governantes tentar administrar a crise social, dando resposta rápida à pauta das ruas, mas sem descuidar da outra pauta, sob o risco de provocar uma crise econômica quando o país já se ressente de uma inflação no topo da meta, crescimento baixo do PIB e ameaças de rebaixamento do suado grau de investimento conquistado.
Os mercados são vistos muitas vezes como entidades más que querem dominar e subjugar os pobres países periféricos. Ninguém é santo, mas o dinheiro que circula pelos tais mercados é muitas vezes simplesmente a poupança de milhões de pessoas que confiam em instituições financeiras para mantê-la em aplicações seguras e livre de riscos desnecessários.
A recuperação da economia americana e a previsível subida dos juros traz novamente a possibilidade de aplicação de recursos em um ambiente seguro e confiável nos títulos do tesouro americano. A enxurrada de dólares que vagava pelo mundo buscando rendimentos já tem novamente para onde ir.
Não podemos correr o risco de atender a pauta das ruas com o preço de desarrumar uma economia que nos deu tanto trabalho e custou tanto para arrumar.