O americano Joseph P. Overton, na década de 1990, elaborou uma teoria sobre a zona de conforto das opiniões públicas. A janela de Overton constitui o conjunto de ideias aceitáveis pela sociedade em determinada época. Políticos que defendem posições fora dessa janela podem se eleger para cargos proporcionais, por grupos de interesse, mas têm mais dificuldade de se eleger para cargos majoritários. A janela se desloca ao longo do tempo, por mudanças naturais de época ou, como costuma acontecer, por manipulação consciente, para o bem ou para o mal. A escravidão passou por esse processo de mudanças ao longo do século XIX, de legal até a abolição em 1888. Neste século percebemos a mudança de opinião sobre casamento gay que foi passando de proibido, para proibido com ressalvas, neutro, permitido com ressalvas, permitido livremente. Para deslocar a janela de Overton da posição proibido para a menos proibido, neutro e permitido, é preciso desviar o foco do assunto principal para algum outro valor relacionado ao tema. Por exemplo, quem é contra o governo atual, que deslocou a janela para uma direita extremada, pode ser tachado como não patriota, ou acusado de ser contra o país. Mas Mark Twain já dizia que “Patriotismo é apoiar o seu País sempre e o seu Governo somente quando merecer.” O cancelamento e o patrulhamento em cima de ideias contrárias é promovido e alimentado por um exército coordenado por um gabinete do ódio com fake news e teorias da conspiração doentias.
O deslocamento da janela passa pela mudança de posição de muitas das pessoas que partilhavam essas ideias. E quanto mais radicais elas foram, mais penosa é essa mudança. Isso é verdade para todas as crenças. Ex-comunistas não conseguem ter firmeza convincente para condenar os assassinatos de Stalin, de Mao ou a ditadura em Cuba. Há sempre um senão, justificado pelos pecados do outro lado, que faz com que escorreguem e até mudem de assunto. Petistas fazem cara de paisagem até para as evidências dos imensos valores recuperados pela Lava-Jato. Ser chamado de trânsfuga é doloroso, é mais que um palavrão. Ninguém gosta de reconhecer que estava errado, ainda mais quando foi um defensor fanático de uma causa ou uma ideia.
A forma de sair daquele padrão de pensamento ou de comportamento é aos poucos ou como dizia Brizola, costeando o alambrado. Por exemplo, é fácil perceber a mudança de posição de um ex-bolsonarista radical, quando começa a cair em si da roubada em que se meteu acreditando em contos da carochinha sobre pensamento liberal, firmeza contra corrupção, estratégia organizada para problemas de segurança ou exemplos para a família. Uma maneira de começar a sair fora é arranjar alguém do outro lado para nivelar e sair como “esse não, mas aquele também não”. Por exemplo, colocando como inaceitáveis Bolsonaro e Dória. Edward Luce no Financial Times disse bem que “ninguém é tão vulnerável quanto um apóstata”, se referindo aos republicanos que se voltaram contra Trump. Até em pesquisas de opinião essas mudanças acontecem aos poucos. As pessoas não mudam de ótimo para péssimo sem passar pelo regular.
Priscila Cruz, a incansável e competente presidente da ONG Todos pela Educação sugeriu no Twitter que os arrependidos fossem bem-vindos e acolhidos e não agredidos. Um viva para cada um deles! Mestre Tancredo Neves já dizia que é fundamental dar uma saída honrosa para os adversários.
O fato é que a janela de Overton está se deslocando novamente em direção ao centro e não vai haver alambrado para todo mundo.
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