Mudaria o Natal ou mudei eu?

Um homem, — era aquela noite amiga,/Noite cristã, berço no Nazareno, —/

Ao relembrar os dias de pequeno,/E a viva dança, e a lépida cantiga,/

Quis transportar ao verso doce e ameno/As sensações da sua idade antiga,/

Naquela mesma velha noite amiga,/Noite cristã, berço do Nazareno./

Escolheu o soneto… A folha branca/Pede-lhe a inspiração; mas, frouxa e manca,/A pena não acode ao gesto seu./E, em vão lutando contra o metro adverso,/Só lhe saiu este pequeno verso:/”Mudaria o Natal ou mudei eu?”.

Nesse delicado “Soneto de Natal”, Machado de Assis nos faz visualizar a nossa própria imagem, quantas vezes nostálgicos de um mundo inocente na infância e agora carregados pelo peso das muitas empreitadas contra e a favor vividas.

Todos nós guardamos flashes da infância, momentos marcantes bons ou ruins, mas também imagens aparentemente sem importância que, por um motivo ou outro, ficam registradas. O pai médico, das antigas, e a lembrança de quebrar o termômetro para brincar com o mercúrio, com sua forma instigante, vem junto com a bronca monumental. Um vizinho que morreu engasgado com um osso de galinha; esmagar caco de vidro no trilho do bonde para fazer cerol; jogar bola no meio da rua e parar para deixar passar os raros automóveis; o revólver de espoleta, hoje politicamente incorreto; a bola de couro no futebol; Vick Vaporub, mercúrio cromo e o famigerado Mertiolate. Quebrar a cabeça na parede depois de uma corrida de brincadeira, o sangue jorrando e os assustadores pontos no hospital. Subir no pé de carambola e comer goiaba no pé; açaí com farinha na tigela; o filtro de barro; banho frio no tanque; moedor de carne; espanador, palha de aço e enceradeira no chão de tacos. Assistir o voo curto de uma galinha do quintal de casa para o vizinho, imagem que se usa hoje para a economia do país, que não se sustenta por muito tempo. Visitar a casa da empregada na favela e o choque de ver os meninos pelados sem dinheiro para roupas.Tênis Bamba ou Conga, sapato Vulcabrás, pente Flamengo(claro!), dura lex sed lex, no cabelo só Gumex. Ouvir o pai lendo contos de Mil e uma Noites, lendo Malba Tahan e os gibis(incrível! as crianças não leem mais gibis!). Professor Pardal, a piscina de moedas do Tio Patinhas, o clube do Bolinha(machistas!). A namorada do Super-homem ainda era a Miriam Lane, não sei quando ela mudou de nome. Aula de caligrafia na escola, mãe encadernando livros e cadernos, disputa para ser o primeiro da classe e ganhar medalha(Não pode mais. Politicamente incorreto.).

Bom, pelo menos a pena não está frouxa e manca. Feliz Natal para todos!.

Sobre o autor:

Evandro Milet é consultor e palestrante e escreve artigos semanalmente sobre inovação e negócios.

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