Manual do ódio recíproco

Nos confrontos pelas redes sociais e pela imprensa, o uso das palavras depende da ênfase e do lado em que você está.

Quando a popularidade do adversário diminuir é melhor dizer que despencou. Na briga é melhor falar em rombo do que déficit. Para situações confusas  fica mais contundente falar em caos. Em casos de corrupção, dizer que foi um verdadeiro assalto à mão armada soa mais revoltante.

Se o seu aliado contestou os argumentos do adversário, você pode dizer que a crítica foi devastadora, ou que ele demoliu, esmagou, destroçou, pulverizou ou reduziu a pó o adversário. Se o adversário foi vaiado, fica mais depreciativo dizer que foi esculachado, escorraçado ou enxotado pela população, mesmo que tenham sido apenas uns poucos( aqui fica melhor “uns gatos pingados”).

Argumentos estranhos,  classifique de bizarros ou estapafúrdios. Sobre uma proposta com a qual você não concorde, fale em aberração, indecorosa ou delirante. Para um comentário tolo pode dizer que foi irrelevante ou babaca, menos formal.

Para Bolsonaro, homofóbico, machista e misógino, é melhor falar boçal ou repugnante, palavras que embrulham mais o estômago(boa!).

Para quem der porrada em manifestações ou quebrar tudo, ao invés de dizer vândalos, muito elegante ainda, é melhor taxar logo de fascistas, expressão pouco definida, mas definitiva.

Aliás, fascista é todo aquele que discorda veementemente de você, principalmente se houver xingamento.

Se a discussão envolver gestão de cidades há uma linguagem própria. Um buraco na rua vira cratera, um vazamento de tubulação pode ser chafariz ou cachoeira, dependendo para que lado a água estiver vazando.

Para elogiar um correligionário, uma tendência é usar imagem superlativa, mesmo que esteticamente deprimente(gostei dessa) como a filósofa petista Marilena Chauí: “Quando Lula fala, o mundo se ilumina”. Na Roma antiga, Cícero já dizia: “Não há cretinice que já não tenha sido escrita por um filósofo.”

Chulo e popular, mas também contundente, foi o Senador Romero Jucá ao contestar que alguns pudessem manter foro privilegiado:

“É todo mundo na suruba, não uma suruba selecionada”. Linguagem chula também usou Lula ao se referir às mulheres com mais personalidade, chamadas de grelo duro, sem ser questionado pelas feministas de presépio do partido.

Na história já se tentou, à direita e à esquerda, chamar golpe militar de revolução, ditador de presidente, ditadura de governo autoritário, assassinato de justiçamento, corporativista de progressista e roubo de desapropriação. Enfim, palavras são armas para serem sacadas conforme a ocasião.

 

Sobre o autor:

Evandro Milet é consultor e palestrante e escreve artigos semanalmente sobre inovação e negócios.

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