Implementar inovação em empresas não é trivial

Três semanas antes da invasão da Normandia, o General Dwight D. Eisenhower, Comandante Supremo das Forças Aliadas na Europa na Segunda Guerra Mundial iniciou a reunião do plano de batalha dizendo: “Considero dever de quem vê uma falha neste plano não hesitar em dizê-lo. Não tenho simpatia por ninguém, seja qual for sua posição, que não tolere críticas. Estamos aqui para obter os melhores resultados possíveis.” 

Para que esse comportamento possa funcionar em uma empresa, onde as pessoas tenham confiança de criticar sem medo de represálias, é fundamental que isso esteja claro na cultura. Na Netflix, deixar de falar quando você discorda de um colega ou tem um feedback que poderia lhe ser útil é o mesmo que ser desleal com a empresa. Mas a Netflix é a Netflix. Paga os melhores salários do mercado e procura ter uma densidade de talentos com altíssimo nível. Talentos de alto nível têm mais segurança de agir sem grandes medos de demissão ou represálias. E a alta administração tem que saber receber críticas. Por outro lado, Steve Jobs era famoso por demitir qualquer pessoa que considerasse não estar à altura da tarefa, algumas vezes dentro do elevador. Mas Jobs era Jobs, todos os outros devem saber a diferença entre ser sincero e simplesmente desagradável.

É sempre importante saber o que as grandes empresas fazem porque, muitas vezes, são elas as pioneiras em processos inovadores de gestão – mesmo que tenham começado como startups -, mas 99% das empresas não têm as condições  de manter equipes de ponta como elas. O Google é conhecido por ter uma cultura muito amigável aos funcionários, mas também é um dos lugares mais difíceis do mundo para conseguir um emprego (a cada ano, a empresa recebe mais de 2 milhões de inscrições para cerca de 5.000 cargos).

Fica difícil seguir os exemplos dessas empresas nas características para ter uma cultura inovadora, condição necessária para ser uma empresa inovadora, mas alguma coisa se aprende.

O artigo “A dura verdade sobre culturas inovadoras” de Gary P. Pisano HBR (janeiro a fevereiro de 2019) cita algumas das características para uma cultura da inovação e  incluem: tolerância ao fracasso, vontade de experimentar, espírito de colaboração com trabalhos em equipe e uma estrutura achatada, com poucos níveis hierárquicos para ter agilidade. O problema é que essas características carregam muita subjetividade na sua execução. 

A tolerância ao fracasso não pode se confundir com tolerância à incompetência.  Um bom começo é a liderança sênior articular claramente a diferença entre falhas produtivas e improdutivas. Falhas por omissão ou incompetência não podem ser aceitas. Na Pixar, os diretores de cinema que não conseguem colocar os projetos nos trilhos são substituídos. Um fracasso deve ser comemorado apenas se resultar em aprendizado. (O clichê “comemorar o fracasso” não atinge o objetivo – devemos comemorar o aprendizado, não o fracasso.)

A vontade de experimentar deve ser altamente disciplinada. É muito bonitinho liberar 20% do tempo das pessoas para investirem em projetos de sua vontade, mas tem que ser com gente muito competente e criativa e com algum critério de planejamento. Sem disciplina, quase tudo pode ser justificado como um experimento.

Incentivar o espírito de colaboração é importante, mas com responsabilidade individual. Os líderes podem encorajar essa atitude, responsabilizando-se publicamente por eventuais erros, mesmo quando isso cria riscos pessoais. 

Uma estrutura com poucos níveis hierárquicos requer uma liderança forte com visões e estratégias bem articuladas e bem difundidas na empresa.

Por esses motivos, os líderes devem ser muito transparentes com a organização sobre as realidades mais difíceis das culturas inovadoras. Essas culturas não são só diversão e jogos. Muitas pessoas ficarão entusiasmadas com a perspectiva de ter mais liberdade para experimentar, fracassar, colaborar, se manifestar e tomar decisões. Mas também precisam reconhecer que essas liberdades vêm com algumas responsabilidades difíceis. É melhor ser franco desde o início do que correr o risco de fomentar o cinismo mais tarde, se as regras tiverem que ser mudadas no meio do caminho, conclui Pisano.

 

https://www.agazeta.com.br/colunas/evandro-milet/implementar-inovacao-em-empresas-nao-e-trivial-0721