Eu nasci há 10.000 anos atrás

Essa é a sensação de quem nasceu e cresceu no século passado, ao constatar as mudanças rápidas que ocorreram no seu dia a dia, talvez principalmente depois da internet na década de 1990, mas não só por causa dela. Mudou tudo. Quem escrevia à mão, pedia à secretária para digitar – não -, bater na máquina, corrigia e escrevia novamente até acertar já sentiu um grande alívio com o ControlC/ControlV do Word. Fazer transparências à caneta e usar retroprojetor para uma apresentação só não é mais antigo que quadro negro com giz. Fazer e refazer planilhas era um suplício até aparecer o Visicalc, pioneiro antecessor do Excel. O Apple II é de 1977, inaugurando o computador pessoal, avô de notebooks e laptops. Quem conviveu com enciclopédias(a Barsa estava em muitas casas) ou com pesquisa na biblioteca do colégio ficou espantado com o Google em 1998 e endoidou agora com o ChatGPT. Bem mais revolucionário que trocar a régua de cálculo, que pouca gente lembra, pela calculadora. E o alívio de quem fazia ligações interurbanas(quem usa essa expressão mais?) com telefonista quando chegaram o DDD, o DDI, o orelhão(cadê eles, Ruy?)e finalmente o celular em 1990? E olha que nessa época era só para falar, o iPhone com acesso aos dados só veio em 2007 com sua lista interminável de apps. Aí a coisa tomou velocidade vertiginosa. Tudo virou app para resolver as dores do mundo. Há quanto tempo você não para o carro na rua para pedir indicação de um local? Com o Google Maps e o Waze, não se precisa mais nem ter senso de direção. Se os táxis ficavam nos pontos, sumiam na chuva ou passavam batido, inventaram o Uber. Se as casas tinham tinham quartos vagos ou se os hotéis nos davam uma experiência enlatada nas cidades, o Airbnb monetiza os quartos e oferece uma experiência de não turistas nas viagens. Um dos primeiros a perceber o potencial imenso da internet para facilitar a vida foi Jeff Bezos com a Amazon, ainda em 1994, primeiro para vender livros, depois para vender tudo. Foi praticamente o inventor do ecommerce, um bálsamo na pandemia. Comprar um livro técnico em inglês, 10.000 anos atrás ou há 10.000 anos(Raul, você errou no português no título), era uma aventura, com livrarias especializadas e prazos intermináveis. Uma maravilha ler um no dia do lançamento pelo Kindle. Você esperava o lançamento do disco, um LP com várias músicas, ou o compacto com duas? Algumas músicas você ouvia e outras descartava? Só quando estava em casa perto da vitrola? Você está velho, cara. Faça sua playlist no Spotify, só com o que você curte. Cinema? No Netflix. Novela? Melhor as séries. Câmera no celular, selfie, Instagram, os álbuns de família saíram das salas para a nuvem, multiplicadas às centenas, mas ninguém mais vê. Dá para trabalhar de casa ou de qualquer lugar e todo mundo aceita reunião virtual para fazer negócios. Para desespero nosso dá para fazer oito reuniões por dia. Falar de graça pelo Zap é um conforto, falar com amigos antigos nas redes sociais não tem preço, até descobrir que alguém controla os algoritmos, o vilão do século. Eles cantariam com Raul Seixas: E não tem nada nesse mundo que eu não saiba demais.

Eu nasci há 10.000 anos atrás – ES360

Publicado no Portal ES360 em 08/09/2024