ESG: uma pauta capitalista?

A sigla ESG se espalhou pelo mundo corporativo, puxada inicialmente pelo setor financeiro. A sigla surgiu pela primeira vez em 2004, em um relatório da ONU para estabelecer diretrizes que incluíssem as questões ambientais(E), sociais(S) e de governança(G) para o mercado financeiro.

Mas será uma questão de consciência social, como se fosse um salvo conduto para operar, um medo do que a sociedade vai dizer do seu lucro ou algo para atender o mercado financeiro?

No aspecto ambiental, existe um consenso da imensa maioria dos cientistas de que os eventos climáticos extremos têm de ser controlados sob pena de ameaçar a vida na Terra. O mercado vive de expectativas para o futuro trazidas a valor presente. Se o aquecimento global ameaça a vida no futuro, certamente afetará muitos negócios. Bem antes desse futuro, investidores irão, cautelosamente, procurar outro rumo para os seus investimentos. Desse modo, a pauta ambiental passa a ser pauta capitalista, independentemente da responsabilidade social das empresas como um fator civilizatório, ou mesmo de um valor compartilhado onde o social traga benefícios para os dois lados. Greenwashing ou greenbromation é malandragem para a governança resolver.

De forma semelhante, os aspectos sociais também têm seus reflexos nos negócios. Desigualdade e pobreza geram ameaças como revoltas populares, aumento da criminalidade, aumento dos custos com segurança, baixa produtividade da mão de obra e mercado restrito. Oneram também o orçamento público com despesas para resolver problemas que não deveriam existir, tomando recursos da educação e infraestrutura, fundamentais para os negócios. 

Negros são metade da população mas participam pouco do consumo. Empresários da construção: quantos negros compraram apartamentos com vocês? Vendedores de automóveis: quantos negros compraram automóveis? Corretoras de seguros: quantos negros compraram seguros de vida? Quantos investem em fundos de ações de bancos ou corretoras? Quer dizer: metade das pessoas do país está fora do mercado, ou, em outras palavras, o PIB poderia ser o dobro. Maravilha para os negócios.

Mas como se resolve isso, muitos se perguntam. Com cotas que fazem a suposta injustiça de dar preferência à cor independentemente da meritocracia?

Sobre meritocracia a questão que se coloca é: porque eu tenho que dar preferência a um negro se o branco tiver maiores qualificações? Isso não deveria ser resolvido com educação de base? A resposta pode ser: em quantos anos se resolve essa questão desse modo? 200 anos? Que meritocracia é essa que compara pessoas que não tiveram as mesmas oportunidades? Ações afirmativas procuram acelerar essa inclusão. Negros tendo oportunidades com cotas em universidades ou empresas serão muitas vezes a primeira pessoa da família ou da sua comunidade a ter acesso a um diploma superior ou a um cargo gerencial, com todo o efeito de demonstração e de capacidade de consumir, tendo emprego de qualidade.

Você que mora num bairro de classe média ou alta, se for perguntado sobre os problemas da sua cidade vai relatar os problemas que vive ao seu redor. Você não conhece os problemas das comunidades de baixa renda. Da mesma forma, se uma empresa só emprega pessoas de classe média para cima ou branca ou só masculina, ou só mantém em cargos gerenciais essas pessoas, as decisões delas vão carregar o viés das suas experiências. Se você quer vender produtos para todos é interessante ter pessoas de todas as classes sociais, de todos os gêneros e de todas as raças na empresa, daí se dizer que aumenta a capacidade de inovar, de fazer coisas diferentes. Inovar tem tudo a ver com produtividade e competitividade, pautas eminentemente capitalistas.

As grandes empresas já entenderam o que está em jogo e embarcaram na pauta com força. Muitos empresários, principalmente os médios, ainda estão atrasados, chamando ESG de pauta de esquerda. ESG é pauta inteligente para ganhar dinheiro e perpetuar os negócios. Mais gente no mercado para comprar, menos insegurança, mais inovação, menos pobreza, mais capacidade de investimento público e mais perenidade. Uma pauta bem capitalista, além de carregar  efeito social fundamental e civilizatório.

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Publicado no Portal ES360 em 17/12/2023