Um amigo, trabalhando em uma multinacional em São Paulo, contou um episódio significativo. O responsável pelo RH procurou o CEO perguntando se haveria algum problema em contratar o mais bem classificado em um processo de seleção porque era negro. Faz sentido essa consulta?
Num debate com um amigo sobre cotas raciais em universidades, ele argumentava que deveria prevalecer a meritocracia independentemente de raça e exemplificava com sua própria mãe, branca, que era sacoleira e venceu na vida criando os filhos sem ter privilégios. Eu ponderei que, se a mãe dele fosse negra ela não teria conseguido entrar nos mesmos edifícios e empresas para vender seus produtos.
Duvido que alguém conteste que em grande parte das empresas brasileiras, de qualquer porte, se em um processo seletivo houver uma disputa entre um candidato negro pobre e um candidato branco também pobre, com iguais qualificações, o branco será admitido, por puro racismo. Esses micro episódios de racismo, como a maior probabilidade de ser parado na rua pela polícia ou revistado em um supermercado, quando somados por uma vida inteira de humilhações e segregações mostram o resultado no retrato da sociedade de hoje com pouquíssimos negros em cargos gerenciais, frequentando escolas privadas ou participando de eventos empresariais. Enquanto estão em maior número em prisões e estatísticas de pobreza, desemprego e homicídios.
O debate sobre diversidade está aumentando em todo o mundo. Recentemente a empresa Magazine Luiza fez um processo seletivo de trainees só para negros(as multinacionais Bayer, Ambev e P&G também) e foi acusada de racismo reverso. Quem aprova afirma que não pode haver meritocracia se não há igualdade de oportunidades. As cotas serviriam para reequilibrar uma distorção histórica, vinda, no Brasil e nos Estados Unidos, dos processos de escravidão mal resolvidos.
No fim da escravidão no Brasil, a grande discussão era se os proprietários de escravos deveriam ser indenizados. Não foram, mas também os escravos foram libertados sem receber nenhum apoio como o que foi dado, por exemplo, aos imigrantes que receberam pedaços de terra para explorar. E mesmo quando essa oferta não foi totalmente cumprida, o nível de educação dos imigrantes lhes garantiram um desenvolvimento que não pode acontecer com os ex-escravos.
Os recentes movimentos nos Estados Unidos que levaram para o mundo o tema de “black lives matter” ampliaram com força a discussão sobre racismo, provocando movimento de revolta contra grandes vultos da história que tiveram atitudes ou discursos racistas. Talvez seja exagero cobrar uma postura contra algo aceito em época remota, embora entendido como absurdo agora, como cobrar responsabilidade de europeus pela destruição de florestas na revolução industrial.
Junto com as manifestações do “metoo” contra o assédio sexual, a briga pela presença feminina nas gerências de empresas, as lutas pelo meio ambiente, de gênero e vários outros movimentos, estamos vivendo um grande momento de repensar a convivência humana como um todo, uma grande revisão histórica.
Grandes empresas começaram a considerar o impacto positivo nos seus negócios se adotarem a diversidade e inclusão, seja por uma maior visão de mercado e maior capacidade de inovar pelos seus colaboradores, seja por uma imagem positiva que passam para a sociedade, seja pelo impacto na economia e pelo exemplo da inclusão de milhões de pessoas e famílias marginalizadas pela discriminação ou seja simplesmente por fazer justiça social.
Esse debate fundamental está aberto e quente. Eu concordo com a Magalu, e você?
Sobre o autor: Evandro Milet é consultor e palestrante e escreve artigos semanalmente sobre inovação e negócios.
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