“A arte existe porque a vida não basta” é frase célebre do poeta maranhense Ferreira Gullar. A frase vale para poetas e arquitetos. O premiadíssimo arquiteto capixaba Paulo Mendes da Rocha (só Niemeyer e ele, do Brasil, receberam o correspondente ao Prêmio Nobel de arquitetura) afirma: “A questão fundamental que navega entre nós arquitetos é imaginar as coisas que ainda não existem”. A palavra “navega” remete a um imaginário central na frase e na sua trajetória: os mares, os rios, as estruturas que se adequam às águas, os navios. Um equipamento como o Cais das Artes, de sua autoria, na forma de um imenso navio à beira do mar, não pode ser desperdiçado nem para se degradar, como está acontecendo, nem para se transformar em centro de convenções e nem para se apequenar na sua intenção original, apenas como centro de startups, por mais importantes que essas atividades sejam.
A habilidade de conectar disciplinas – arte, ciências, humanidades e tecnologia – é a chave para a inovação, imaginação e genialidade, afirma Walter Isaacson, biógrafo de gênios que transitavam na interseção dessas disciplinas, cada um na sua dimensão, como os biografados por ele Leonardo da Vinci e Steve Jobs.
O Cais das Artes pode assumir o espaço do que se chama de Economia Criativa, a parte da economia que conta nossas histórias e os trabalhos criativos que deixamos para trás como sociedade e provavelmente definirão como as gerações futuras nos entenderão, como diz um documento da Deloitte UK.
A Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) elaborou um modelo que classifica as indústrias criativas em quatro eixos, que são: patrimônio, artes, mídia e criações funcionais, sendo que juntas se desmembram em nove setores. O eixo do Patrimônio inclui: expressões culturais tradicionais (inclusive gastronomia) e sítios culturais. O eixo das Artes engloba: artes visuais e artes dramáticas. O eixo da Mídia: audiovisual e publicidade e mídia impressa. E o eixo das Criações Funcionais abrange design (de interior e moda), novas mídias (incluindo software, jogos e conteúdo digital) e serviços criativos (arquitetura, propaganda e P&D).
Assim, todos os empregos e ocupações que se relacionam a esses setores são considerados como ocupações criativas, com as atividades baseadas em ideias, imaginação, criatividade e inovação.
A Economia Criativa gera 2,64% do PIB brasileiro e é responsável por mais de um milhão de empregos formais diretos, segundo estudo da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (FIRJAN), com base em dados do IBGE. Há no setor cerca de 250 mil empresas e instituições. A participação no PIB, por sua vez, é superior à de setores tradicionais, como as indústrias têxtil e farmacêutica.
Ao contrário de muitos outros setores nos quais a digitalização e a inteligência artificial estão reduzindo a necessidade de habilidades humanas tradicionais, a Economia Criativa continua a exigir sensibilidade cultural, habilidades sociais e visão pessoal de cada ser humano. Esta capacidade de continuar gerando novos empregos e riqueza será, portanto, de particular importância, à medida que o mercado de trabalho global se ajuste às realidades da Quarta Revolução Industrial.
O Cais das Artes será ainda mais importante para o futuro do Espírito Santo se ampliar seu conceito para ser um inédito Cais da Economia Criativa, de importância e visibilidade nacionais. A diversificação da matriz econômica do estado passará inevitavelmente por esse caminho. Da Vinci e Jobs certamente aprovariam. E Paulo Mendes da Rocha abençoaria. Como ele dizia: “O projeto ideal não existe, a cada projeto existe a oportunidade de realizar uma aproximação”.
Publicado em A Gazeta em 11/12/2021