Entre o início e o fim do tráfico negreiro, pelo menos 1,8 milhão de cativos morreram durante a travessia entre a África e o Brasil. Isso significa que, ao longo de 350 anos, em média catorze cadáveres foram atirados ao mar todos os dias, alterando até as rotas migratórias dos tubarões que passaram a acompanhar os navios negreiros na travessia do oceano. As condições da travessia eram precárias, com pessoas amontoadas em porões, sem condições mínimas de higiene, com mortes por doenças ou castigos e muitos suicídios daqueles acometidos do banzo, nome dado à depressão de quem fora arrancado do seu mundo social.
Nesse período, entre 23 e 24 milhões de seres humanos teriam sido arrancados de suas famílias em todo o continente africano. Pouco mais de 10 milhões chegaram à América, 5 milhões destes no Brasil, a maior parte morreu no trajeto entre a zonas de captura e o litoral, durante o tempo de espera pelo embarque e na travessia.
A prática da escravidão já era comum entre os próprios africanos onde existia um mercado de mão de obra cativa muito antigo e bem estruturado, com fornecedores e compradores, rotas de transporte, feiras e preços definidos. A altíssima demanda dos europeus, porém possibilitou ao tráfico no Atlântico atingir proporções gigantescas. No final do século XVIII, o tráfico já respondia por 90% da pauta de exportações da África.
Mas não foram só os portugueses, quase todos os países europeus se envolveram no comércio de escravos. Holandeses, ingleses, franceses, espanhóis, suecos, suiços, poloneses, lituanos, russos, alemães e dinamarqueses participaram de alguma forma dos processos da escravidão africana.
Nos seus três séculos como colônia de Portugal, o Brasil foi sinônimo de açúcar. E açúcar era sinônimo de escravidão. Na Inglaterra, as importações de açúcar saltaram de 10 mil para 150 mil toneladas entre 1700 e 1800. O uso da lenha nas caldeiras de açúcar foi responsável por grande parte da destruição da mata atlântica. Mas não só os grandes proprietários tinham escravos, todos os brasileiros livres tinham.
Os castigos para quem praticava alguma falta grave ou tentava fugir eram cruéis, açoites até a carne viva seguidos de vinagre e sal nas feridas ou até mesmo piche derretido, ferros em brasa para marcar o corpo ou outras atrocidades.
Devido à resistência obstinada dos senhores de engenho e dos barões do café, aliados da monarquia,o Brasil foi o último país do hemisfério ocidental a pôr fim ao tráfico negreiro em 1850, e a acabar com a escravidão em 1888. E só fez isso sob intensa pressão internacional.
A discriminação sofrida até hoje com pouquíssima participação dos negros em todos os aspectos da sociedade é o alto preço que o Brasil paga pelo abandono da sua população negra à própria sorte na época da Lei Áurea. Nada foi oferecido para permitir o mínimo de inclusão: terra, educação e oportunidades. Joaquim Nabuco dizia que os brasileiros estariam condenados a permanecer no atraso enquanto não resolvessem de forma satisfatória a herança escravocrata e afirmava: “a grande questão da democracia brasileira não é a monarquia, é a escravidão”.
O Brasil perde muito em produtividade na economia pela não inclusão, até hoje, da população negra, metade do país, e a falta de igualdade de oportunidades. O estigma que associa a população negra com crimes no Brasil em muitas cabeças, potencializado pelo racismo disseminado mas negado, é lamentável, sabendo-se que é possível andar na rua sem medo de roubos, assaltos ou agressões físicas, a qualquer hora do dia ou da noite, em capitais como Dacar(Senegal), Acra(Gana), Praia(Cabo Verde) e Maputo(Moçambique).
Essa história é contada em detalhes, de forma contagiante, por Laurentino Gomes no seu novo best seller “Escravidão”. Excelente leitura. Precisamos conhecer o maior esqueleto do nosso armário social.
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