A Relatividade do Mal

Um casal de suíços em visita recente ao Brasil achou graça das placas “Respeite a sinalização”, que fazem parte do visual das nossas estradas, como se isso não fosse obrigatório, mas dependesse da avaliação de cada um.

Depois de ser apreendido após fazer um arrastão em ônibus o menor disse “Assaltei, sim. Mas com respeito e humildade. Não roubei nenhum velhinho e respeitei as crianças que estavam no ônibus”.

Os presos do mensalão recusam ser acusados de ladrões do dinheiro público e consideram que desviaram apenas como caixa dois de campanha como se isso se justificasse por ser prática comum.

Refiro-me aos três casos para parafrasear a filósofa Hannah Arendt, criadora da expressão “banalidade do mal” para caracterizar a postura do carrasco nazista Adolf Eichmann, que praticou atrocidades apenas cumprindo ordens, sem questioná-las, na mais perfeita lógica burocrática, sem refletir sobre o mal que pudessem causar.

Nos casos citados no início prevalece uma “relatividade do mal”, não o mal de maldade, mas o mal de tudo o que se desvia do que é certo, onde cada um julga valores absolutos segundo a sua ótica pessoal, momentânea, circunstancial e autocondescendente.

Quem de nós passaria com louvor em um teste onde se apresentassem as seguintes questões: Você já sonegou IR? Deu propina para guarda? Comprou DVD pirata? Fez gato na TV a cabo? Usou software pirata? Pirateou música na internet? Comprou computador no mercado cinza? Comprou objetos falsificados? Deixou de devolver troco ou mercadoria  recebida  a mais? Ficou com coisas achadas alegando que achado não é roubado? Furou fila? Escondeu coisas na mala para passar na alfândega? Andou pelo acostamento para fugir de engarrafamentos? Pegou atestado médico falso para faltar ao trabalho ou à escola? E você médico, já deu atestado falso para cliente, amigo ou parente? Você, profissional, já teve dois preços: com e sem recibo? Se for comerciante já aumentou a nota do cliente indevidamente ou comprou mercadoria sem nota? E o caixa dois? Já se vangloriou de ultrapassar limites de velocidade em estradas? Parou em vaga de idoso ou jogou lixo na rua?

Embora com pesos diferentes, essas atitudes são de mesma natureza daquelas citadas no início e muitas vezes transgressões são vistas com glamour ou como jeitinho. A indignação, manifestada enfaticamente por palavras, ações, comentários na internet, rodas sociais ou manifestações de rua, não combina com a prática relativizada do mal. As mudanças que almejamos para o país passam certamente por uma mudança nas nossas próprias atitudes.

Evandro Milet é empresário