A meritocracia não é ideológica

 

Um amigo, engenheiro aposentado, contou-me a história da qual participou,  da tentativa de venda de tecnologia, na área de siderurgia, por um empresa estatal da antiga União Soviética. A tecnologia era muito boa, porém na discussão de custos, os técnicos soviéticos se mostraram completamente perdidos. Custo não era uma variável considerada, em um ambiente sem concorrência, controlado por um planejamento central.

Comecei a vida profissional em uma empresa estatal, repleta de técnicos inteligentes e formados nas melhores universidades, envolvidos em projetos importantes de forte viés tecnológico. Passei por outras estatais federais, também de importância relevante, já atuando como executivo. Quando deixei o mundo estatal para me aventurar como empresário, percebi, apanhando na prática, dois temas que tive de aprimorar para sobreviver: a preocupação com custos e o foco no cliente.

O mundo estatal é feito normalmente em regime de monopólio, sem concorrência, o que acarreta as carências citadas e outros problemas. A minha experiência mostrou que na área pública, grosso modo, há uma distribuição normal de competências onde 25% dos empregados trabalham duro e não fariam feio em qualquer atividade privada. Outros 25% poderiam ser demitidos sem fazer falta para o serviço, porém isso nunca acontece. Os 50% restantes trabalham mais, ou menos dedicados, dependendo da liderança. Quando o trabalho aumenta, os dirigentes pedem mais gente, abrem-se novos concursos, mas os incompetentes vão ficando quietinhos, pagos – claro – pelos trouxas dos contribuintes.

Nas negociações salariais, os sindicatos, com uma visão pretensamente igualitária, mostram forte resistência às avaliações de desempenho e à prática da meritocracia. Em alguns casos, com poucos recursos para aumentos, as negociações caminham para um socialismo interno. Os salários menores recebem aumentos maiores, gerando as distorções onde ascensoristas, motoristas ou outros profissionais menos qualificados apresentam salários surpreendentes, muito maiores do que o mercado pagaria. Os executivos, por outro lado, ficam com salários defasados, provocando a saída dos competentes para o mundo privado.

Em um acerto de contas do Brasil com a modernidade, temos de colocar em pauta esse emprego vitalício na área pública, que deveria ficar restrito apenas a algumas carreiras passíveis de pressão política indevida. E temos de colocar a meritocracia como princípio, premiando os competentes. Essa visão não deveria ser de esquerda ou de direita, apenas moderna e justa com os contribuintes e com o país.

Evandro Milet

Consultor e palestrante e escreve artigos semanalmente aos domingos

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