Até onde vocês vão?, questionou um deputado, autoritário, a um procurador da Lava Jato, que respondeu na bucha: – Vamos até onde vocês foram. Esse diálogo, contado pelo jornalista Merval Pereira, é um exemplo de presença de espírito, a capacidade de agir rápido em situações repentinas, como dar respostas inteligentes, na hora, a um insulto, pergunta ou comentário. Por exemplo, dois amigos, um deles muito pão duro, correm para pegar o ônibus, mas não conseguem alcançá-lo. O pão duro aproveita a ocasião: – Vamos então a pé, pelo menos economizamos a passagem. E o outro, irritado: – Se soubesse, teria corrido atrás de um táxi para economizar mais.
Os franceses usam uma expressão inexistente em português, “esprit d’escalier”, literalmente “espírito de escada”, que significa o oposto da presença de espírito, ou seja, quando a resposta só vem quando é tarde demais, quando já fomos embora, “descendo a escada”. Normalmente bate uma frustração de não ter pensado aquela resposta na hora. Não era o caso do primeiro ministro britânico Winston Churchill. Em um evento social, Lady Astor, a primeira mulher a ter assento na Câmara dos Comuns, na hora do café, o abordou: – Winston, se você fosse meu marido eu colocaria veneno no seu café. E Churchill: – Madame, se eu fosse seu marido eu o beberia.
No tempo dos grandes debates no Congresso, o deputado mineiro Último de Carvalho mostrou presença de espírito, ao rebater um rompante do colega gaúcho Flores da Cunha que, em discurso enfático, dizia que no Rio Grande só tinha macho: – Excelência, pois lá em Minas é metade macho, metade fêmea, e nos damos muito bem. Também Carlos Lacerda, ferino debatedor, chamado até pelos amigos de “O Corvo”, rebateu, no verbo e no ato, a acusação feita por um adversário: – O senhor é um político de passado imperfeito, presente indicativo e futuro condicional.
A presença de espírito é um dom democrático. O carnavalesco maranhense Joãosinho Trinta, já consagrado no carnaval do Rio, questionado sobre a riqueza dos desfiles, em desacordo com a pobreza dos participantes, fulminou: – Pobre gosta de luxo, quem gosta de miséria é intelectual. E a polêmica morreu para sempre.
Apparicio Torelly, o humorista que se auto denominava Barão de Itararé(por causa da batalha que nunca existiu), foi estudante relapso de medicina. Um dia, durante uma prova oral, o professor que o interrogava, irritado com o pouco conhecimento do aluno, pediu a um funcionário: – Me traz um pouco de alfafa. Apparicio não titubeou: – Prá mim traz um cafezinho…
A presença de espírito é sempre desconcertante.
Evandro Milet
Consultor e palestrante e escreve artigos semanalmente aos domingos
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