O inferno brasileiro

Na porta do inferno o guardião recebe novo morador para quem é oferecida a possibilidade de escolher entre o inferno brasileiro e o inferno americano. Lidas as regras de cada um o recém chegado escolhe o inferno brasileiro para surpresa do guardião: – Mas no inferno brasileiro todos devem comer um balde de merda todos os dias e no inferno americano apenas um copo. Tem certeza da sua escolha? Por quê? O novo morador: – é porque no inferno brasileiro um dia vai faltar balde, no outro vai faltar merda e no dia que tiver balde e merda o diabo vai faltar e não vai ter ninguém para vigiar. No inferno americano o copo de merda seria sagrado (ops!)

Nós gostamos de rir da nossa própria desgraça, envolvidos em uma burocracia e uma qualidade de serviços públicos lastimável. Nelson Rodrigues dizia que o brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem e que tinha um ‘complexo de vira-lata’ dada a inferioridade em que se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Infelizmente temos nossas razões.

Certa vez, em um órgão estatal, eu explicava a ferramenta de qualidade 5W1H para uma platéia de funcionários. O 5W1H é um tipo de lista de verificação utilizada para informar e assegurar o cumprimento de um conjunto de planos de ação, diagnosticar um problema e planejar soluções. A origem da sigla em inglês vem das iniciais de WHAT – O que será feito,  WHY – Por que deve ser executada a tarefa, WHERE – Onde cada etapa será executada, WHEN – Quando cada uma das tarefas deverá ser executada,  WHO – Quem realizará as tarefas e HOW – Como deverá ser realizada cada tarefa.

No final da explicação, um dos funcionários levantou-se e disse:- Aqui não tem 5W1H. Temos 5N1T: não, nada nunca, ninguém, nenhum e talvez.

As piadas auto depreciativas proliferam como as clássicas que fazem comparações entre países: Na Rússia tudo é proibido, inclusive o que é permitido. Na Alemanha tudo é proibido a não ser o que é permitido. Nos Estados Unidos tudo é permitido a não ser o que é proibido. No Brasil tudo é permitido, inclusive o que é proibido.

O jornal O Globo fez uma série de reportagens intituladas “Ilegais, e daí?” onde casos flagrantemente ilegais como construções em locais impróprios, estacionamentos irregulares ou bares avançando nas calçadas aconteciam sem nenhuma penalidade.

A cultura da esperteza, da transgressão às regras, do desrespeito às pessoas, da ineficiência está entranhada em todas as classes sociais e transparece bastante na prestação de serviços ao público. Por vingança, em algumas repartições públicas está exposta em um cartaz a ameaça: Desacatar funcionário público é crime.

Mas vamos manter a esperança de um dia nos orgulharmos da seriedade com que as coisas acontecem no Brasil.

Evandro Milet

Consultor e palestrante e escreve artigos semanalmente aos domingos

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