Veríssimo dizia aqui que todos agora querem ser paparazzi de si mesmos. Antes das redes sociais as pessoas mostravam suas fotos apenas para as pessoas mais íntimas em álbuns folheados durante encontros familiares. As redes sociais mudaram os hábitos e os selfies invadiram as relações em um narcisismo incontrolável. De qualquer forma parecem manifestações inocentes que exigem curtidas recíprocas mesmo que apenas como retribuição simpática.
O problema maior está no selfie ideológico, que não é o selfie da vaidade, da aparência exterior de rosto e corpo, mas o da aparência interior que se faz com o fígado e não com o cérebro e extravasa o pensamento do seu autor. Nele as pessoas mostram suas entranhas e colocam para fora barbaridades medievais, preconceitos, machismo, intolerância, homofobia ou grosseria. Maldades são propagadas em comentários depreciativos, calúnias, difamações e julgamentos precipitados. As opiniões são muitas vezes alimentadas por histórias inventadas que se propagam, baseadas muitas em mentiras deslavadas, verdades pseudocientíficas, ignorância de fatos históricos, lendas urbanas ou simples desinformação. A misoginia prolifera com mulheres assediadas e ameaçadas de estupro em sites que defendem o feminismo.
O poder de multiplicação rápida na rede, como o caso dos memes virais, torna seu desmentido impossível e casos dramáticos de suicídios e até assassinatos acontecem. A dona de casa Fabiane Maria de Jesus, de 33 anos, moradora do Guarujá, litoral de São Paulo, foi linchada e morta por vizinhos após ser confundida com o retrato-falado de uma sequestradora de crianças, divulgado numa página do Facebook.
Soluções instantâneas e radicais são dadas para problemas complexos: é só fazer isso ou aquilo que acaba com o problema; matar todos os bandidos e políticos, cortar a mão, fuzilar e a família pagar a bala, torturar, entre outras. Tudo recheado com erros de grafia e concordâncias esdrúxulas. Nesta época tensa de manifestações políticas a coisa fica pior ainda.
Esse ciberespaço criou a sua cibercultura, onde o que era interno e privado torna-se externo e público e onde cada um vive do seu próprio espetáculo. A questão existencial de ter ou ser perdeu importância para aparecer ou parecer alguma coisa que não é.
A rede é um território em ocupação, como eram as fronteiras sem lei, onde as pessoas fazem justiça com as próprias mãos nos teclados. Na ocupação do oeste americano, ladrões eram cobertos de alcatrão e penas para serem humilhados e linchamentos eram comuns. A aparência da internet muitas vezes é essa: um faroeste digital.