Napoleão Bonaparte tinha foco: “Quando trabalho num plano de campanha, não consigo descansar até ter terminado, até que todas as minhas ideias tenham sido elaboradas. Sou como uma mulher em trabalho de parto”. Isso porque não existiam redes sociais, WhatsApp, TikTok ou Google na época. Se existissem, talvez tivesse sido melhor para a humanidade em número de soldados mortos. Ele teria outras distrações, talvez um game de guerra hiperrealista.
No ambiente digital reina a economia da atenção – uma batalha pelo foco das pessoas em um mundo em que há uma sobrecarga de informações e estímulos, a chamada infoxicação, acelerada pela sensação de que estamos sempre perdendo algo ou FOMO, sigla em inglês para “fear of missing out”. É lamentável que essa sobrecarga de informações venha, muitas vezes, de fontes pouco confiáveis, deixando de lado jornais e livros.
É tanta informação que o WhatsApp implementou o recurso de ouvir áudio acelerado, em maio do ano passado. Mudar para 2x é um caminho sem volta. Até na vida normal perdemos a paciência com quem enrola muito ou fala devagar. Dá vontade de apertar um botão 2x na testa da pessoa.
Houve um declínio drástico do tempo médio que uma pessoa consegue manter sua atenção em uma tela. Em 2004, esse período era de aproximadamente dois minutos e meio. Atualmente, esse tempo baixou para 47 segundos, em média, segundo pesquisas. O excesso de comunicação tira o foco e podemos demorar 25 minutos para voltar ao que estávamos fazendo.
Steve Jobs definiu bem: “As pessoas acham que foco significa dizer sim àquilo que se deseja focar. Mas isso não tem nada a ver com foco. Foco significa dizer não às centenas de outras boas ideias que existem. […]Inovação é dizer não a mil coisas.”
O problema é que Steve Jobs também detonou a solidão. Colocou na nossa mão uma janela para o mundo. Ninguém fica mais sozinho com seus pensamentos numa sala de espera do médico ou numa noite de insônia. Mark Zuckerberg ocupa nosso tempo em conversas vagas com amigos de infância que não têm mais nada a ver conosco. Nos faz gastar o tempo vendo fotos até de estranhos. O Spotify enche nossos ouvidos com podcasts sobre tudo e sobre nada.
Quando chega a madrugada, meu pensamento vagueia na dança da solidão. Não vagueia mais, Paulinho da Viola. Ninguém se perde mais na contemplação do nada ou em sonhar sonhos impossíveis. O celular está sempre a postos para atrapalhar.
Poetas e cientistas exaltaram a importância da solidão como inspiradora. Einstein, por exemplo: “Talvez algum dia a solidão venha a ser adequadamente reconhecida e apreciada como mestra da personalidade. Há muito que os orientais o sabem”.
Fernando Pessoa: “Não tenho ambições nem desejos/ Ser poeta não é uma ambição minha/ É a minha maneira de estar sozinho.
Clarice Lispector: ”Que minha solidão me sirva de companhia/ que eu tenha a coragem de me enfrentar/ que eu saiba ficar com o nada/ e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo”.
Que 2024 nos traga mais foco, mais informação confiável, mais livros e a possibilidade de curtir a inspiradora e poética dança da solidão. Mas está difícil.
Publicado no Portal ES360 em 31/12/2023