Ao longo da vida a gente aprende sobre coisas que nunca vimos e que provavelmente nunca vamos ver, embora usemos muitas delas como figuras. Pode ser um bumerangue dos aborígenes australianos, um ornitorrinco, areia movediça, avalanche como bola de neve ou um pigmeu africano. Pode ser uma ilha deserta(nem tanto) desconhecida como a do Robinson Crusoé e seu ajudante índio Sexta-Feira ou a do Tom Hanks e o Wilson. Aliás, tem coisas que também nem desconfiávamos. Por exemplo, sabiam que o Robinson Crusoé foi parar na sua ilha por causa de um naufrágio depois de sair do Brasil onde tinha propriedades e onde viveu quatro anos, mais precisamente na Bahia(Sexta-feira levou esse nome porque foi encontrado nesse dia, mas desconfio que Robinson pensava na Bahia)? Aliás, quando conseguiu ser resgatado voltou ao Brasil, recuperou o que tinha perdido e viveu muito bem.
Por que será que chamamos os povos originários da Austrália de aborígenes e não de índios? Deve ser por causa de Colombo, que achou que tinha chegado às Índias, mas não esteve na Austrália. Talvez seja algo como na época da corrida espacial, quando os americanos iam ao espaço eram astronautas e os soviéticos eram cosmonautas. Vá explicar.
Muitas dessas coisas fazem parte do que se chama de cultura inútil, cujo símbolo maior era a rádio relógio, uma estação de rádio que dava a hora certa, antes dos celulares resolverem esse problema, e que no intervalo soltava pérolas tipo: “Você sabia que o mês de abril é o único mês que não tem a letra “o”? “
Há palavras e expressões que desaparecem do nosso cotidiano, principalmente por causa da tecnologia, mas não somente. Ninguém fala mais que vai fazer um interurbano e os mais novos não sabem a origem das expressões: “cair a ficha”, “voltar a fita”, “queimar o filme”, “pegar o bonde andando”, “pegar no tranco”. Por outro lado, cerol na mão é só letra de funk. Mesmo a tecnologia vai ficando para trás. Eles também não reconhecem um disquete, um formulário contínuo ou um cartão perfurado e nem mais um fax, CD ou vídeo cassete. Orelhões são fantasmas espetados nas cidades. Nem pensar em telegrama, vitrola, LP, enceradeira ou, sorte deles, chuvisco na TV. O pai dos burros agora é o Google e não mais o Aurélio, e ainda levou junto a Enciclopédia Britânica.
Dá para lembrar um moedor de carne manual nas cozinhas? E comprar galinha viva e matar em casa? No Google e no YouTube ensinam detalhadamente ainda como se faz: cortando ou torcendo o pescoço, sanguinariamente, na maior serenidade.
Tem coisas que vão sumindo aos poucos: telefone fixo, caixa de fósforos, pneu furado, cartas manuscritas, jornal impresso, mapa em papel, giz, quadro negro, cartão de visita, álbum de família, talão de cheques, dinheiro vivo e privacidade. Outras estão no caminho: agência de banco, motor a combustão, cigarros, combustíveis fósseis, sacos plásticos e torcedores do Botafogo.
Reminiscências e muita conversa fiada para um início de ano. Tem coisas mais sérias para tratar, mas alguém já disse: “Não leve a vida tão a sério. Você nunca sairá dela vivo.” Então, é isso.
Publicado em A Gazeta 08/01/2021