Como as democracias morrem

O excelente livro “Como as democracias morrem” de 2018, dos professores de ciência política de Harvard, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt atualiza os movimentos que corroem hoje as democracias.

Durante a guerra fria, golpes de estado foram responsáveis pela maioria dos colapsos democráticos. As democracias em países como Argentina, Brasil, Gana, Grécia, Guatemala, Nigéria, Paquistão, Peru, República Dominicana, Tailândia , Turquia e Uruguai morreram dessa maneira. Porém, há outra maneira de arruinar uma democracia. É menos dramática, mas igualmente destrutiva. Democracias podem morrer não nas mãos de generais, mas de líderes eleitos que subvertem o próprio processo que os levou ao poder.

Como Chávez na Venezuela, líderes eleitos subverteram as instituições democráticas em países como Geórgia, Hungria, Nicarágua, Peru, Filipinas, Polônia, Rússia, Sri Lanka, Turquia e Ucrânia. O retrocesso hoje começa na urnas.

Uma abordagem comparativa revela como autocratas eleitos em diferentes partes do mundo empregam estratégias notavelmente semelhantes para subverter as instituições democráticas. O livro cita um conjunto de quatro sinais de alerta para reconhecer um autoritário:

  1. Rejeitam, em palavras ou ações, as regras democráticas do jogo, como apoiar golpes militares;

  2. Negam a legitimidade dos oponentes ou descrevem seus rivais como criminosos ou corruptos;

  3. Toleram e encorajam a violência. Tem laços com milícias ou se recusam a condenar atos significativos de violência política no passado;

  4. Dão indicações de disposição para restringir liberdades civis de oponentes. Ameaçam tomar medidas legais contra mídia ou elogiam medidas repressivas tomadas por outros governos no passado

A ruptura democrática não precisa de um plano. O processo muitas vezes começa com palavras. Demagogos atacam seus críticos com termos ásperos e provocativos como inimigos, subversivos e até terroristas. Hugo Chávez descrevia seus oponentes como porcos rançosos e chamava seus críticos de inimigos e traidores. Berlusconi atacou juízes que decidiam contra ele chamando-os de comunistas. O Presidente equatoriano Rafael Correa caracterizou a mídia como “inimiga política ameaçadora” e que “tem que ser derrotada”. Se o público compartilhar a opinião de que a mídia está espalhando mentiras, torna-se mais fácil justificar ações empreendidas contra eles.

Embora analistas muitas vezes assegurem que demagogos são só falastrões e que suas palavras não devem ser levadas a sério, muitos deles de fato cruzam a fronteira entre palavras e ação. É por isso que a ascensão inicial de um demagogo ao poder tende a polarizar a sociedade, criando uma atmosfera de hostilidade.

Para consolidar o poder, autoritários potenciais usam três regras, como para ganhar no tapetão do futebol: têm de capturar o árbitro, tirar da partida pelo menos algumas das estrelas do time adversário e reescrever as regras do jogo em seu benefício, invertendo o mando de campo

Uma maneira de capturar os árbitros é promover alterações na Corte Suprema como fizeram Peron na Argentina, Vitor Orban na Hungria, Fujimori no Peru e Chavez na Venezuela. Outra maneira é aparelhar os serviços de inteligência e as instituições policiais., protegendo o governo de investigações ou punindo oponentes e favorecendo aliados. A polícia pode reprimir duramente manifestações de oposição ao mesmo tempo que tolera atos de violência pró-governo.

Tirar da partida estrelas do time adversário significa garantir que jogadores importantes – qualquer um realmente capaz de prejudicar o governo – sejam marginalizados, obstruídos ou pagos para entregar o jogo. O governo Fujimori foi mestre em comprar seus críticos, sobretudo na mídia. Jogadores que não podem ser comprados tem que ser enfraquecidos como Maduro faz com seu oponente Juan Guaidó, mantendo um verniz de legalidade. Erdogan na Turquia e Putin na Rússia também operaram bem esse modelo.

Para reescrever as regras do jogo, uma maneira muito utilizada é aproveitar momentos de crise como Fujimori, quando tomou posse em meio a uma hiperinflação  e uma escalada  de guerrilhas e assim justificou o golpe de 1992. Outros líderes inventam crises como fez Ferdinand Marcos em 1972 nas Filipinas ao produzir uma “ameaça comunista” que não existia. Atentados a bomba em Manila foram considerados como obra de forças do governo pelo serviço secreto americano. Putin fez coisa semelhante para justificar a guerra com a Chechênia e ampliar a sua popularidade.

Depois do fim do regime militar o Brasil tem conseguido resistir a esse tipo de ameaça. Mas é bom manter a vigilância.

Sobre o autor: Evandro Milet é consultor e palestrante e escreve artigos semanalmente sobre inovação e negócios.

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