Em todas as democracias existem negociações que se fazem com partidos para aprovação do orçamento, projetos específicos ou para a própria montagem de governos. Basta ler o que acontece na negociação do Brexit no Reino Unido e na composição do governo da Alemanha ou Portugal, ou assistir as séries do Netflix que recriam as relações entre presidente e o Congresso norte-americano.
Cada congressista foi eleito com uma plataforma que prioriza algum tema nacional ou regional e deve satisfação aos seus eleitores bem como à ideologia do seu partido. Não há problema nenhum se o parlamentar briga por uma emenda que vai beneficiar seus eleitores, seja uma ponte, uma escola, uma estrada ou a instalação de uma indústria que vai gerar emprego na sua região. Também é legítimo que os partidos queiram ocupar cargos que lhes permitam praticar as políticas que defendem ou para formar quadros com experiência administrativa. Não se pode aceitar que essa ocupação de cargos se dê por incompetentes ou para roubar.
O cientista político Sérgio Abranches cunhou a expressão presidencialismo de coalizão para expressar a forma com a qual o Poder Executivo distribui postos administrativos em busca de apoio político e a formação de uma maioria parlamentar. Bolsonaro chamou essa prática de velha política e passou a defender uma nova política sem o toma lá, dá cá das trocas de favores e sem a prática introduzida por Lula na relação com o Congresso por meio da compra em dinheiro de parlamentares com o famigerado Mensalão.
Bolsonaro entretanto inovou, governando sem organizar uma base de apoio no Congresso. A liderança do presidente é fundamental junto ao Congresso e essas articulações não necessariamente passam por troca de favores espúrios. A aprovação de pautas importantes como as reformas exigem um corpo a corpo que pode ser feito com negociações legítimas. Apenas como exemplo, se a bancada do ES se organizar juntamente com a de MG e cobrar firmemente a duplicação da BR 262 ou, junto com RJ, a manutenção da política de royalties do petróleo que privilegia os estados produtores, é pressão legítima para a aprovação de pautas de interesse do Governo Federal. Se não exercer essa pressão, outros estados mais fortes exercerão em seus interesses. Como o Presidente se ausentou dessa obrigação, as lideranças parlamentares resolveram assumir a agenda de reformas, infelizmente mais demorada, enquanto o Presidente passou a gerir uma pauta pessoal, em um beligerante presidencialismo de colisão. Com a ajuda dos três filhos, do guru astrólogo terraplanista e de alguns ministros bateu de frente com artistas, cientistas, jornalistas, ambientalistas, congressistas, juristas, feministas, intelectuais, generais, governadores, procuradores, diplomatas, estudantes, professores, ex- aliados, OAB, ONU, chineses, Merkel, Macron, Bachelet e o Papa, além da lógica, da verdade e da elegância. Um conflito por dia, com base em pautas irrelevantes, frases chulas e baixando o nível ao envolver a família do desafeto, parece ser a regra, enquanto se governa para o nicho de apoiadores radicais. Mas, como disse Churchill, se estiver passando pelo inferno, continue caminhando
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