Em recente entrevista na TV, o principal executivo do PicPay citou o surgimento da empresa em Vitória, segundo ele um local improvável para esse tipo de coisa acontecer. Provavelmente ele não falaria assim se a empresa tivesse nascido em Florianópolis ou Recife, que não têm, em tese, motivo econômico para estar tão à frente de Vitória.
Há alguns anos, em visita ao estado, Sílvio Meira, o propagador do Porto Digital em Recife, comentava que nós tínhamos aqui uma vantagem que ele não tinha lá: as grandes empresas. Realmente, é difícil encontrar uma empresa de Tecnologia da Informação(TI) no estado que não tenha contratos com uma ou mais das grandes. Mas há que se fazer um grande esforço para que as iniciativas em andamento, como o fundo soberano e a MCI, se juntem às demandas das grandes empresas para mostrar a força do estado.
Esse, porém, é apenas um dos setores cobertos pelo manto da invisibilidade que ainda oculta o Espírito Santo do resto do país. Pouca gente ainda sabe o que acontece por aqui.
Todos os visitantes de Pedra Azul ficam maravilhados com o ambiente e nos perguntam como escondemos isso. Escondemos porque não atraímos turistas em geral. Basta ver a ocupação dos hoteis de Vitória nos finais de semana. Como atrair turistas se não temos um Centro de Convenções decente, uma marina decente, um resort decente. A natureza pode ser muito bonita no Caparaó, Itaúnas, Meaipe ou Pedra Azul, mas e a infra que atrai aqueles que publicam nas revistas e divulgam para o mundo?
Talvez uma das explicações para a invisibilidade esteja nas caveiras de burro. O burro (ou mula, se for fêmea) surge do cruzamento entre uma égua e um jumento. Como são resultantes do cruzamento entre espécies diferentes, burros e mulas tendem a nascer estéreis, por isso, entre os criadores de cavalos, esse era um animal indesejado, por não ter valor comercial. Como a égua passaria meses amamentando um filhote “sem valor”, costumava-se sacrificar esses filhotes e enterrá-los longe das residências, o que era um sinal de azar para os criadores. Por esse motivo, quando nada que começa em um lugar vai pra frente (não “gera frutos”, assim como os filhos da égua com o jumento), diz-se que ali “tem cabeça de burro enterrada”.
O ES está cheio delas: Duplicação da BR 262 e da BR101, Centro de Convenções, Parque Tecnológico, Cais das Artes, Ferrovia EF118, Contorno da Serra do Tigre, Corredor Centro-Leste, despoluição da Baía de Vitória.
A imagem política do estado permanece muito boa, alguns desses projetos estão tentando andar, mas outras iniciativas relevantes acontecem no estado sem nem entrar nessa lista, como o porto da Imetame, a ZPE, a privatização da Codesa e o petróleo onshore. Casos de sucesso estão sempre presentes no agronegócio, outros acontecem todos os dias com a ótima rede de engenharia na construção civil, eletromecânica e metal-mecânica em geral e pelo menos o aeroporto saiu dessa lista depois de muitos anos.
Aguardemos diligentes pelos remanescentes, e que ajudem a jogar fora esse manto da invisibilidade que o Espírito Santo não merece.
Caveiras de burro e o manto da invisibilidade capixaba – ES360
Publicado no Portal ES360 em 28/07/2024