Fundo soberano e a ambidestria política

Líderes empresariais são cobrados quanto à capacidade de pensar simultaneamente no presente e no futuro. Cobrança similar atinge os líderes políticos. Como utilizar recursos para atender o futuro se o presente não está resolvido? Como exercitar essa verdadeira ambidestria política?

Penso nessa questão na leitura de artigo recente de dois amigos,  economistas de alto nível, José Teófilo Oliveira e Guilherme Lacerda. Ali eles questionam a utilização do fundo soberano para desenvolver um ecossistema de startups quando há uma necessidade de creches para a educação na primeira infância e para liberar as mães para o trabalho, sem dúvida necessidade justíssima.

Como estão sendo utilizados estes recursos? Para o Funses1, foram alocados 250 milhões de reais para serem aplicados em startups, não como subsídio financeiro exagerado como interpretaram os autores, mas como investimento de risco, feito em tranches sucessivas,  dependendo de cumprimento de metas em cada fase. Não há consultorias caríssimas citadas. A empresa contratada para gerir o Funses1 trabalha para localizar startups a serem investidas, não apenas fintechs, que possam multiplicar o valor a ser retornado para o fundo, garantindo novos recursos para novos investimentos. E tem uma remuneração normal de mercado para fundos de venture capital. Até agora foram comprometidos 35 milhões diretamente em 21 empresas, enquanto mais de 100 potenciais empreendedores, inclusive no interior,  foram capacitados para desenvolverem ideias inovadoras mesmo sem receber recursos, no sentindo de desenvolver uma massa crítica de empreendedores digitais. As empresas investidas, como sócias do fundo, são selecionadas sem influência de governo, pela tecnologia e pela escalabilidade, ou seja, pela capacidade de multiplicar o dinheiro investido.

Qual é a ideia do Funses1, admirado e invejado em outros estados? Preparar o Espírito Santo para ter um ecossistema, não para copiar as big techs, mas para criar os empregos do futuro e a geração de impostos do futuro. Se as empresas mais valiosas do mundo são desse setor, por que não termos aqui também um espaço que gere esses empregos do futuro? Para o Espírito Santo, não adianta formar técnicos de alto nível nas nossas universidades se eles forem procurar emprego em outros estados ou no exterior. 

Com a lógica de deixar de fazer isso e investir em creches cabe a questão: o investimento do governo de Pernambuco no Porto Digital deveria não ter acontecido, sabendo todos nós que a necessidade de creches ali é ainda mais dramática que aqui? Mais de 350 empresas, organizações de fomento e órgãos de Governo, com mais de 17 mil profissionais e empreendedores constroem ali o futuro, com empregos de alta tecnologia que não existiriam, embora numa visão apenas de presente, seria socialmente mais justo aplicar em creches.

Para questionar a falta de benefícios sociais desse investimento seria necessário questionar todos os investimentos pioneiros de capital de risco feitos pelo Bndes com os fundos Criatec desde 2008, sabendo da necessidade nacional por creches.

Todas as tendências de futuro apontam para o mundo digital, para a energia verde e para a disseminação da tendência ESG, temas focados pelo fundo soberano. Não podemos ficar de fora disso, embora realmente a necessidade de creches na primeira infância seja uma verdade absoluta. Mas essas crianças terão onde trabalhar, considerando que muitos dos empregos atuais serão extintos? Temos que criar aqui também os empregos do futuro. 

Que possamos administrar essa ambidestria política e social com inteligência.

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Publicado no Portal ES360 em 12/11/2023