Evandro Milet – A Gazeta 04/06/2022
No conto “Resposta” de 1954 , de Fredric Brown, autor norte-americano de ficção, cientistas finalmente conectam todos os computadores da totalidade dos planetas habitados do universo a um supercomputador capaz de combinar o conhecimento integral de todas as galáxias. Em seguida, um cientista formula ao computador uma pergunta que nenhuma outra máquina tinha sido capaz de responder até então: Deus existe? Ao que o computador responde sem hesitação: Sim, agora existe. Apavorado, o cientista tenta desligar a chave, mas é fulminado por um raio caído de um céu sem nuvens.
Yuval Harari, no seu festejado livro de 2018 “21 lições para o século 21” discorre sobre as duas habilidades não humanas especialmente importantes da Inteligência Artificial(IA): a conectividade e a capacidade de atualização.
É difícil conectar um ser humano ao outro e se certificar de que estão todos atualizados. Em contraste, computadores são fáceis de serem integrados em rede. Por isso, estamos diante não da substituição de milhões de trabalhadores humanos individuais por milhões de robôs e computadores individuais, mas, provavelmente, da substituição de humanos individuais por uma rede integrada.
Dessa forma, é errado comparar as habilidades de um único motorista humano com as de um único carro autônomo, ou as de um único médico humano com as de um único médico de IA. Em vez disso, deveríamos comparar as habilidades de uma coleção de indivíduos humanos com as habilidades de uma rede integrada.
Por exemplo, muitos motoristas costumam desconhecer e cometer infrações de trânsito. Além disso, quando dois veículos se aproximam do mesmo cruzamento ao mesmo tempo, os motoristas podem comunicar erroneamente suas intenções e colidir. Veículos autônomos, em contraste, podem ser conectados entre si. As probabilidades de que possam se comunicar erroneamente e colidir são, portanto, muito menores. E se o Denatran decidir mudar qualquer regra de trânsito, todos os veículos autônomos podem ser atualizados com facilidade exatamente no mesmo momento, e, salvo a existência de algum bug no programa, todos seguirão o novo regulamento à risca.
Da mesma forma, se a OMS identificar uma nova doença, ou se um laboratório produzir um novo remédio, é quase impossível atualizar todos os médicos humanos no mundo quanto a esses avanços. Em contraste, se poderá atualizar todos os médicos IA numa fração de segundo, e todos serão capazes de dar uns aos outros feedbacks quanto a novas doenças ou remédios.
Claro que problemas opostos poderiam ocorrer. Por exemplo, se um médico humano fizer um diagnóstico errado, ele não vai matar todos os pacientes do mundo e não vai bloquear o desenvolvimento de todos os novos medicamentos. Em contraste, se todos os médicos são na verdade um único sistema, e se esse sistema comete um erro, os resultados podem ser catastróficos.
No entanto, um sistema integrado de computadores pode maximizar as vantagens da conectividade sem perder os benefícios da individualidade. Qualquer cidadão poderia acessar do seu smartphone não apenas um médico capacitado, mas vários médicos de IA diferentes, cujos desempenhos relativos são comparados o tempo inteiro.
Da mesma forma, veículos autônomos poderiam oferecer às pessoas serviços de transporte mais otimizados e seguros.
Por tudo isso, seria loucura bloquear a automação em transporte e saúde para proteger empregos humanos. Afinal, o que deveríamos proteger são os humanos – não os empregos. Motoristas e médicos obsoletos simplesmente terão de achar outra coisa para fazer, conclui Harari.
Para nossa tranquilidade, ao longo do tempo, para cada avanço da tecnologia, empregos desaparecem e novos são criados. Enquanto isso, só nos resta procurar um para-raios, urgente.
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Publicado em A Gazeta em 04/06/2022