Evandro Milet – A Gazeta – 22/05/2022
O que, afinal, explica a pobreza e a riqueza das nações? O que explica o desenvolvimento econômico? O economista Daron Acemoglu difundiu a ideia que países se desenvolvem se tiverem instituições inclusivas e não extrativistas. Mais recentemente, o físico Cesar Hidalgo e o economista Ricardo Hausmann criaram um Atlas da complexidade econômica e nele procuram mostrar que todos os países hoje ricos são complexos do ponto de vista econômico. Em algum momento da sua história foram capazes de dar o salto de produtos simples para produtos complexos. Essa abordagem é destrinchada no livro “Complexidade Econômica” de Paulo Gala.
Nessa visão, os dois conceitos básicos para aferir se um país é complexo economicamente são a ubiquidade e a diversidade de produtos encontrados em sua pauta exportadora. Se determinada economia é capaz de produzir bens não ubíquos, raros e complexos, estamos diante de uma indicação de que o país tem um sofisticado tecido produtivo.
Um país que tem uma pauta muito diversificada, mas com bens ubíquos(peixes,tecidos, carnes, minérios etc.) não apresenta grande complexidade econômica. Faz por que todos fazem.
As empresas industriais têm uma característica comum que não está presente na maioria das empresas do setor de serviços não sofisticados ou no agronegócio: colocar mais um turno na produção, por exemplo, ou agregar uma nova máquina à planta produtiva podem multiplicar várias vezes a capacidade de produção da indústria. O mesmo não se observa em fazendas ou no comércio, por exemplo.
Um tipo de complexidade se apresenta nas economias de rede, como nas cadeias globais de valor. No caso de um avião Boeing 787, por exemplo, as turbinas são feitas na Europa e nos Estados Unidos, as asas na Ásia, o trem de pouso no Reino Unido, e partes da fuselagem nos Estados Unidos, na China e em outros países da Ásia. As portas dos compartimentos de carga são feitas na Suécia e as portas de passageiros, na França.
A construção do iPod, por exemplo, só foi possível graças a um micro hard drive desenvolvido pela Toshiba. O Gorila Glass, super-resistente, dos iPhones foi desenvolvido por uma empresa de manufaturas de vidro, a Corning.
Computadores pessoais carregam em geral um chip da Intel ou AMD, um hard drive Quantum, Seagate ou Fujitsu e uma memória feita pela Kingston ou Corsair.
Nas perspectivas dos autores, desenvolvimento econômico é a capacidade de criar uma rede produtiva sofisticada, como os casos citados.
O agronegócio pode gerar aumento de complexidade produtiva se os tratores, os químicos, as plantadeiras e colheitadeiras forem feitas domesticamente. O caminho do desenvolvimento, nessa visão, mostra que é preciso produzir esses equipamentos e insumos e que não seja apenas soja, milho ou trigo.
Para economistas ortodoxos, o desenvolvimento econômico tende a ser um produto natural que depende de boas políticas internas, governo que não tribute demais, bom funcionamento da justiça, controle da inflação, educação pública universal de qualidade, defesa da concorrência etc. Se essas políticas forem mantidas, o desenvolvimento será uma questão de tempo. Para o grupo dos desenvolvimentistas ou heterodoxos, ser desenvolvido significa dominar tecnologias avançadas de produção e criar capacidades e competências locais nos setores mais nobres. Produzir castanhas de caju ou chips de computador, carros ou sandálias havaianas, bananas ou computadores faz diferença.
Segundo Hidalgo e Hausmann, o desenvolvimento econômico pode ser entendido como o uso do brinquedo Lego. São ricos e desenvolvidos os países que possuem muitas peças de Lego e são capazes de montar “brinquedos complexos”. Nessa visão, a indústria representa um papel fundamental.
Hausmann sugere que o Estado poderia funcionar como um identificador de oportunidades de diversificação produtiva e como um agente de coordenação, trabalhando para ajudar a iniciativa privada a ocupar esses espaços. Não se trataria de “escolher vencedores”, mas de trabalhar em conjunto com a iniciativa privada para buscar ganhos relevantes de produtividade, avançando na direção de diversificação produtiva e de upgrading tecnológico, na linha do que fizeram os governos de sucesso do Leste Asiático.
Por outro lado, a proximidade entre Estado e iniciativa privada no Brasil, desperta logo a desconfiança de captura do Estado.
Uma política industrial deve observar todas essas possibilidades, que contém pontos positivos e pontos onde cabe atenção redobrada.
Publicado em 28/05/2022 em A Gazeta